TECNOLOGIA

O desastre que aconteceu à Samsung se calhar não é um desastre

É PARA APAGAR Um funcionário de uma loja de eletrónica de Seul apaga as faixas promocionais do telemóvel “maldito” FOTO REUTERS

É PARA APAGAR Um funcionário de uma loja de eletrónica de Seul apaga as faixas promocionais do telemóvel “maldito” FOTO REUTERS

O caso tornou-se quase uma anedota, mas o assunto é sério: a Samsung cancelou a produção daquele que era tido como o seu melhor smartphone até à data, o Note 7, depois de sucessivos relatos de explosões do aparelho provocadas pelo aquecimento da bateria. Um especialista em gestão e estratégia analisa para o Expresso o impacto do caso no futuro da empresa - que pode não ser tão desastroso como as aparências fazem crer. Tudo depende do que vier a acompanhar o pedido de desculpas

TEXTO MARGARIDA FIÚZA

É o primeiro estilhaço da “bomba” que está a explodir nas mãos da Samsung: esta quarta-feira, depois de ter suspendido a produção do modelo Galaxy Note 7 e pedido aos clientes a devolução dos smartphones, a empresa reviu a sua previsão de lucros para o terceiro trimestre deste ano, antecipando uma quebra de 33,3%, para 4,1 mil milhões. Ou seja, para já, esta crise vai representar um corte de 2,1 mil milhões de euros nos lucros da empresa sul-coreana.

A Samsung informou que os clientes vão ser reembolsados e já recolheu mais de 2,5 milhões de unidades deste modelo em 10 países. Os analistas estimam um potencial de perdas em mil milhões de dólares e, só nos últimos três dias, as ações da empresa já caíram 10%.

José Crespo de Carvalho, diretor académico da Formação de Executivos da Nova School of Business and Economics (Nova SBE) e especialista em gestão e estratégia das empresas, faz o exame ao comportamento da empresa. E será que este pode ser o princípio do fim da Samsung como a conhecemos? “Não me parece”

ESPECIALISTA Diretor académico da Formação de Executivos da Nova School of Business and Economics (Nova SBE)

ESPECIALISTA Diretor académico da Formação de Executivos da Nova School of Business and Economics (Nova SBE)

Que impacto é que esta decisão pode ter no negócio e na reputação da Samsung?

Face aos acontecimentos recentes julgo que não havia alternativa. Pedir para desligar telemóveis e solicitar aos clientes para os devolver parece-me apenas bom senso. Reembolsar clientes é também muito mais inteligente que fingir que o problema não existe. Relembro que a ação da Volkswagen estava a cotar a 250 euros quando se descobriu que os dados das emissões de gases eram “fabricados” e que isso era deliberado e do conhecimento de vários elementos do grupo. Podem acontecer, no caso da Samsung como noutros casos, vários fenómenos, como a substituição ou demissão de um CEO, entre outros, mas o efeito reposição dos valores envolvidos aos clientes parece-me quase inevitável – em espécie ou em material. Voltando atrás, relembro que os arautos do fim do grupo VW eram muitos mas a Volkswagen continuará, da maneira que a conhecemos ou de outra. Recordo que a cotação da ação estava nos 250 euros e pouco tempo depois do “incidente” desceu aos 90 euros. Hoje está a lateralizar, mas na ordem dos 120 euros. A Volkswagen não acabará. Como não acabou a Toyota com os problemas nos sistemas de aceleração e travagem em 2009 e 2010. A Volkswagen, por seu lado, será novamente o mais provável challenger da Toyota para ocupar o primeiro lugar como fabricante de automóveis. Esteve na posição de líder durante os primeiros 6 meses de 2015 mas perdeu a liderança com o problema das emissões. No entanto, não acabou. O mercado automóvel é diferente do dos smartphones e não comparável? Talvez. Até porque quer a Volkswagen quer a Toyota são empresas muito sedimentadas e com muitos anos de marca e na área dos telemóveis ainda não há muitos anos falávamos de Motorola versus Nokia e não de Samsung versus iPhone. Voltando à questão, a decisão não poderia ser outra: desligar telemóveis, aceitar devoluções e prever um sistema de substituição ou de reembolsos de dinheiro despendido.

Que repercussões poderá ter esta decisão no mercado dos smartphones?

Uma explosão é um fenómeno que pode acontecer com qualquer telemóvel de qualquer marca. Basta conhecer um pouco da tecnologia e das baterias de iões de lítio usadas por uma boa parte dos smartphones para o saber. Já esta série de insucessos com o Galaxy 7 Note são, pelos efeitos, espetacularidade e curto espaço de tempo, um problema. Porém, a instabilidade deste tipo de baterias e seu aquecimento já fez explodir outros smartphones. A verdade é que, felizmente para outras marcas, mesmo as mais insuspeitas, sem grandes repercussões. Sabe-se que há um trade-off nestas baterias: quanto mais tempo o telemóvel aguenta sem ir à fonte para ser carregado mais “puxada” está a bateria e mais instável se torna. Poderá ser o que está a ocorrer com o Note 7 da Samsung. Não prevejo grandes repercussões para o mercado dos smartphones. Continuar-se-á a verificar uma evolução e um combate feroz pela liderança tecnológica e de marca e não prevejo que seja este problema que atire abaixo a Samsung como principal rival do iPhone e vice-versa. Haverá uma maior pressão sobre a possibilidade de arranjar alternativas para este tipo de baterias, isso sem dúvida.

Este pode ser o princípio do fim da Samsung como a conhecemos?

Não me parece. Impacto financeiro vai ter, é certo. Mas a Samsung não irá depressa ao fundo por causa de um modelo. Mais simples será começar a ir ao fundo por causa de problemas de inventário e tesouraria face às múltiplas frentes em que investem e ao sortido alargadíssimo com que cresceram. E aí um modelo pode ter impacto. Pode desencadear uma crise mas o verdadeiro problema não estará neste modelo mas em muitas outras dimensões, quer do modelo de negócio quer da forma como tem crescido. Não obstante este problema… não prevejo grandes mudanças.

Como avalia a gestão que a empresa está a fazer deste processo?

Os primeiros recalls são normais. Os problemas em massa podem advir e são difíceis de prever a não ser em mercado. Por mais testes que se façam. Dito isto, acho que a Samsung está a fazer o correto. Vai custar mas se fizer isto de forma limpa e em que o cliente perceba a “boa-fé” no processo até pode ser que acabe com uma divisão de smartphones reforçada. Quiçá. Não acredito em desgraças, dado o número de seguidores e a bipolarização que já se fez em torno da Apple versus Samsung. Muitíssimo mais intensa que a da Motorola versus Nokia que, afinal, foram as primeiras grandes marcas de telemóveis e para todos os efeitos cometeram erros de gestão não despiciendos.

O que deve fazer agora a Samsung? E o que deve evitar?

Substituir, vender aos aderentes ao Note 7 um telemóvel também topo de gama - com desconto, para os fidelizar à marca -, devolver dinheiro, pedir desculpa. Tudo o que possa evitar efeitos reputacionais mais acentuados. Isto consegue-se colocando-se sempre ao lado do cliente. E mostrando ao cliente que está disponível para cobrir todos os danos colaterais. O que não deve fazer? Procurar fingir que nada aconteceu e a meio de um processo destes acabar com ele como se nada fosse.