PETROLÃO
Escândalo de subornos e falta de água são bombas-relógio para o Brasil
DOR DE CABEÇA Dilma Rousseff vê crescer a oposição. Escândalos recentes provocam “buzinaço” e “panelaço” FOTO UESLEI MARCELINO/REUTERS
Oposição alerta para a perda de credibilidade do país nos mercados internacionais, mas o problema é que a economia não tem expectativa de crescimento
TEXTO CRISTINA PERES
Espero que o povo levante a buzanfa do sofá e também vá para a rua”, lia-se num comentário no Facebook a acompanhar um vídeo feito a partir da janela de uma paulista no centro de S. Paulo. A opinião acompanhava o registo vídeo e áudio resultante da combinação do “buzinaço” e do “panelaço” que, em dezenas de cidades brasileiras, tentaram sobrepor-se à voz da Presidente Dilma Rousseff durante o discurso de domingo 8.
Que as notícias sobre o Brasil desta terça-feira abram na maioria das edições digitais com a promulgação de uma lei fundamental para o país como a criminalização das agressões às mulheres é praticamente indiferente. A verdade é que, faça a Presidente o que fizer neste momento, pelo menos metade dos meios de comunicação e boa parte da população caem-lhe em cima. Por isso até parece benevolente o título – “Em movimento desacelerado” – e civilizado o tom da prosa do artigo da revista “The Economist ” sobre o “petrolão”, publicado na página de abertura do site do “Estadão”: “Um caso de corrupção alastrada envolvendo a gigante Petrobrás apresenta-se como uma ameaça à implantação de um mal necessário, a reforma política”.
RACIONAMENTO Membros do movimento de trabalhadores sem abrigo punem um boneco simbolizando o governador de S. Paulo, Geraldo Akmin, pelo racionamento de água na metrópole de 20 milhões de habitantes FOTO NACHO DOCE/REUTERS
Dilma Rousseff aproveitou o discurso de 15 minutos emitido pela televisão nacional feito a propósito do Dia Mundial da Mulher para justificar a necessidade de apertar o cinto. A Presidente culpou a crise global do mal-estar da economia brasileira e a seca recorde que se registou em 2014 pela falta de água em S. Paulo. Segundo sustentou, o Governo fez o que pôde até ao presente e é agora a vez de “dividir parte desse esforço com todos os setores da sociedade”. O discurso insistiu que as dificuldades serão temporárias e em nome de um futuro onde se vão reconstituir as condições do passado recente, o que foi de imediato classificado pela oposição como “negação da realidade”.
Não será bem “negação”, acontece que a Presidente se dirige exclusivamente aos seus eleitores já que a oposição não está sequer preparada para ouvi-la, diz ao Expresso Andrés Malamud, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS). Para este professor especialista em América Latina, a questão “passou da política para a economia”, uma vez que “esta parou” enquanto a demografia cresce.
ESCASSEZ A redistribuição da riqueza de pouco valeu desde que a economia estagnou FOTO PILAR OLIVARES/REUTERS
“Fizeram mal em acreditar que a redistribuição seria suficiente quando representa apenas 1% do PIB. Eles redistribuíram e bem, mas a economia brasileira parou e a demografia continuou a crescer. Não há problema nenhum em crescimento demográfico acompanhado de crescimento económico, mas na atual situação, significa que há cada vez menos a distribuir por mais pessoas”, disse ao Expresso, resumindo: “O Brasil cresce à mesma média do mundo”. Com as taxas a 12% pára o investimento, a inflação está em 6,5% e as perspetivas de crescimento são nulas.
“Petrolão” hoje, “mensalão” no passado
“Para uma coligação funcionar é preciso ter recursos particularistas e não políticas públicas”, diz ao Expresso o professor do ICS. É como dizer que a corrupção é funcional num sistema eleitoral em que é preciso comprar votos.
No início do passado fim de semana, o Supremo Tribunal Federal divulgou a lista dos políticos que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, quer ver investigados por causa da sua relação com o esquema multimilionário de subornos (propinas, em português do Brasil) na empresa nacional de petróleo Petrobrás, que foi descoberto há cerca de um ano.
O “mensalão”, processo que ensombrou a presidência de Lula da Silva, veio a lume em 2005 a partir de uma investigação simples. Este “petrolão” vai ser a maior do género na história do Brasil, uma vez que o ministro do Supremo, Teori Zavascki, já abriu 21 inquéritos sobre 50 indivíduos entre os quais se contam 22 deputados federais, 12 senadores e um vice-governador.
DENÚNCIA Trabalhadores temporários da Petrobrás marcham junto aos estaleiros da empresa em protesto contra a política de despedimentos FOTO RICARDO MORAIS/REUTERS
Por muito habituada a turbulência que a sociedade brasileira esteja e familiarizada com a facilidade com que se menciona o processo de destituição (impeachment) do chefe de Estado, a verdade é que ele não seria desejável na opinião de todos os que são a favor da estabilidade. É o caso do ex-Presidente Fernando Henriques Cardoso que declarava esta terça-feira ao “Estadão”, o site do “Estado de S. Paulo” que o processo de destituição de Dilma Rousseff seria “uma bomba atómica, para dissuadir mas não para usar”. FHC, como é comumente referido, adianta que o sistema de governação do Partido dos Trabalhadores (PT) é insustentável e que é o próprio PT que usa “o impeachment para dizer que o PSDB o quer, mas não é verdade”.
O principal líder do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), oposição, chama ao momento presente “um tempo sombrio, sem esperança” e diz que o horizonte imediato com mais probabilidades é que o Governo “fique cozinhando o galo em fogo brando” ao longo do seu mandato, durante o qual não contará com o apoio do PSDB.
“FHC aposta na estabilidade, como Luis Inácio Lula da Silva também fez”, diz Andrés Malamud, adiantando que o que vier a acontecer no Brasil vai depender do PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), o maior partido brasileiro. A alternativa a “este sistema político completamente fragmentado seria que “o mal-estar produzisse um bom efeito” a partir da rebelião dos cidadãos porque “é quando se está mal” que as coisas têm hipótese de mudar. A partir de dentro do sistema é difícil que venha a acontecer porque toda a gente está confortável”, defende o professor.
DOR DE CABEÇA II Os protestos contra as alterações aos direitos laborais e os cortes nos benefícios sociais têm alvos muito claros FOTO UESLEI MARCELINO/REUTERS
Andrés Malamud acredita que haverá turbulência política no futuro próximo, porém lembra que os brasileiros são muito práticos e chegam facilmente a compromissos, acabando sempre por arranjar uma figura de proa para substituir a que cai. A prova disso é que “ninguém fica fora da corrupção”, diz conclui.