Opinião
Amanhã
Henrique Monteirohmonteiro@impresa.pt

Chamem-me o que quiserem

Henrique Monteiro

Não ao Acordo Heterográfico

Como o nome indica, um acordo ortográfico resulta de um acordo sobre o orto (que em grego significa reto ou direito) que a grafia deve ter. A grafia já teve vários modos e formas e feitios. A ideia de um novo acordo que vem de 1990, há 27 anos portanto, não era agradar a toda a gente nem tão pouco obrigar a que, em privado, todos escrevessem da mesma maneira as mesmas palavras. O acordo serve para jornais poderem segui-lo ou fazerem campanha contra (como o ‘Público’), para as escolas e o Estado o adotarem. De resto, a liberdade mantém-se.

É pois racionalmente inexplicável uma polémica tão antiga a respeito de algo que – ao contrário do que nos querem impingir – nada tem a ver com pureza da língua ou com as confusões de palavras. Quem estudou um pouco de linguística sabe que as palavras são sempre entendidas no contexto de frases e não isoladamente – tanto faladas como escritas. Por isso canto (verbo cantar), canto (da sala) ou canto (no futebol) podem ser escritas da mesma maneira e serem sempre entendidas consoante o contexto.

Nos jornais vê-se gente orgulhosamente a colocar no final do artigo que ‘não segue o acordo ortográfico’ ou que ‘escreve de acordo com antiga grafia’. Eu acho bem. Podem escrever ‘pharmácia’ e ‘phleugma’, tanto me faz. Mais curioso é o facto de eu pegar na manchete do ‘Público’ e verificar que há apenas três palavras que diferem do AO em todo um texto de mais de cinco mil carateres. São elas ‘detectar’ (em que o c não se lê nunca); ‘activa’ (onde pode haver quem leia o c, mas é um pouco ridículo); e ‘accionista’ (onde uma vez mais não se lê o c). Em contrapartida, há um erro, ou gralha – anormalia (em vez de anomalia) – que nada tem a ver com o acordo. O texto é causa intitula-se “Comissões de 200 mil recebidas por gestores envolvidos no caso Sócrates” e estava a abrir o sítio da Internet do jornal esta manhã.

No Expresso, onde Miguel Sousa Tavares não segue o acordo, há duas palavras nos primeiros mil carateres do seu último texto que são diferentes – ‘acção’ e ‘inspector’. Ou seja, andamos a discutir o que já foi caracterizado há anos por Eduardo Catroga a propósito de outros assuntos.

É neste contexto que não se entende bem a tardia iniciativa da Academia das Ciências. É claro que tudo pode ser melhorado, mas não é menos claro que, ao tentar melhorar, tudo se pode piorar.

Eu, pessoalmente, aderi ao Acordo Ortográfico por dois motivos simples: o primeiro é pensar que pode contribuir para uma formalização do português com variantes escritas que sejam mutuamente reconhecidas (porque continua a haver diferenças entre a nossa ortografia e a do Brasil e que se estendem aos restantes países onde se fala português). Isso é importante num mundo em que cada vez mais se escreve em computadores, que aliás corrigem automaticamente a grafia. Como sublinha no Ciberdúvidas Lúcia Vaz Pedro, “quando há oscilação de pronúncia, aceitam-se as duas grafias. Obviamente, que o povo português não vai começar a falar com a pronúncia brasileira nem vice-versa, e, tendo cada variante a sua pronúncia, deve seguir-se a respetiva grafia. O Acordo Ortográfico pretendeu, repetimos, reduzir ao mínimo possível as diferenças existentes”.

Depois, porque não fazendo a ortografia parte da gramática, nem alterando as formas de falar, nada obstava a que se fizesse esse esforço de reconhecimento mútuo (pode ver-se que a televisão é unificadora dos modos de falar; porém, e apesar disso, com as palavras escritas com a mesma grafia, persistem modos diversos de as dizer em Lisboa, no Porto, em Viseu ou em Faro).

O que é curioso é que os puristas não lamentam que não se possa dizer ‘bicha’ em Portugal sem remeter imediatamente para a homossexualidade. Isso é algo que entrou via Brasil. Quando era miúdo, bicha era igual a fila. Mas ainda bem que não reclamam, porque é isto que faz dos idiomas corpos vivos e em movimento. Que alguns embirrem, acho bem e até leio com agrado argumentos exaltados como os de Manuel Alegre (ou como foram os do saudoso Vasco Graça Moura). Coisa diferente é a Academia das Ciências, que nunca foi capaz sequer de produzir um dicionário decente, se venha arvorar em árbitro do que deve ser a nossa língua.

O ministro dos Negócios Estrangeiros pode ter sido arrogante na resposta, ou autoritário, ou o que lhe chamou o seu camarada Manuel Alegre. Mas ainda bem que Augusto Santos Silva (e já parece que tenho procuração para o defender) pôs ordem naquilo que deve estar na ordem (orto). E que o Parlamento recusou alterar o Acordo Ortográfico para Acordo Heterográfico. 27 anos depois não podemos continuar a discutir as preferências de cada um. A minha avozinha morreu em 1985 a escrever mãi e pae, como tinha aprendido antes do acordo de 1911, e juro que nunca ninguém lhe chamou analfabeta. Apenas se manteve na sua… Eu, como os meus pais, escrevo também como aprendi. E todos pronunciámos ambas as palavras da mesma forma.

Twitter: @Henrique Monteiro

Facebook: Henrique Monteiro

Amanhã

DANÇA

CAPTADO PELA INTUIÇÃO

Estreia esta sexta-feira, às 21h30, no Teatro Aveirense, em Aveiro, o espetáculo de dança a solo “Captado Pela Intuição”. A atuação é de Tânia Carvalho, que tem também a cargo a interpretação. Os bilhetes custam de €5 a €8.

CONCERTO

THE COVER VAN

O grupo The Cover Van sobe esta sexta-feira ao palco do café da Casa da Música, no Porto. Nos seus espetáculos esta banda portuguesa interpreta clássicos dos anos 80 e 90. O concerto tem início às 22h e a entrada é gratuita.

DANÇA I

IN-SHELL-SIDE

Estreia esta sexta-feira na Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão o espetáculo de dança “In-Shell-Side”, da coreógrafa Nélia Pinheiro, da Companhia de Dança Contemporânea de Évora. O evento começa às 21h30 e os ingressos custam €4.

CONCERTO I

SELMA UAMUSE

A cantora Selma Uamuse atua esta sexta-feira, às 21h30, no Teatro-Cine de Torres Vedras. A artista tem vindo a explorar um projeto com base nas suas origens moçambicanas. Os bilhetes custam €10.