JOÃO SOARES DEMITE-SE
“É um disparate total”: a frase que começou tudo
CONTROVÉRSIA O caso CCB e a demissão do seu presidente foram o início de uma polémica que terminou com a saída do ministro da Cultura FOTO ANTÓNIO PEDRO FERREIRA
Não foi a primeira polémica que enfrentou, mas desta vez João Soares não resistiu ao coro de críticas gerado por um post no Facebook, em que prometeu “salutares bofetadas” a dois cronistas que puseram em causa a sua decisão de demitir o presidente do CCB. O primeiro-ministro também deu a entender que não tinha gostado e o ministro da Cultura apresentou mesmo a demissão. Esteve 135 dias no Governo
TEXTO ISABEL LEIRIA FOTOS ANTÓNIO PEDRO FERREIRA e JOSÉ CARLOS CARVALHO ILUSTRAÇÃO DE CAPA TIAGO PEREIRA SANTOS
A polémica em torno do ministro da Cultura, que apresentou esta sexta-feira a sua demissão, não começou com o polémico post que deixou às 06h12 da passada quinta-feira no Facebook e onde prometeu as já famosas “salutares bofetadas” a dois colunistas do Público. Esta foi a gota de água num processo que abalou a imagem de João Soares ainda o Governo ia apenas no seu terceiro mês de vida.
Em fevereiro, numa entrevista ao Expresso, o ex-ministro não poupou nas palavras para criticar o então presidente do CCB, António Lamas. Classificou o Plano Belém-Ajuda, concebido por António Lamas enquanto presidente da estrutura de missão nomeada para o efeito, como um “disparate total”, do qual devia tirar as “devidas consequências”.
Seguiram-se recados na comunicação social e uma promessa no Parlamento. “Eu acho que o presidente do CCB tem de sair. E se não sair, eu, na segunda-feira, seguramente o demitirei, usando os instrumentos legais de que disponho”, declarou durante a discussão da proposta de Orçamento do Estado para 2016.
Demitiu e demitiu-se
FOTO JOSÉ CARLOS CARVALHO
Promessa feita, promessa cumprida. António Lamas foi exonerado e nomeado para o seu cargo Elísio Summavielle. A gestão do processo valeu-lhe as duras críticas dos dois cronistas do “Público” e acusações de “estilo de compadrio, prepotência e grosseria”.
O homem que no passado não se coibiu de criticar o governo de Luanda, António Costa, jornalistas, não gostou do que leu no “Público”. Reagiu no Facebook, porque diz não conseguir ficar calado: “Não aceito prescindir do direito à expressão da opinião e palavra”, escreveu na sua nota de demissão, apresentada esta sexta-feira, e onde invocava ainda “razões de solidariedade para com o executivo”.
As declarações do primeiro-ministro na quinta-feira à noite não lhe tinham deixado grande espaço de manobra. António Costa pediu desculpa a Vasco Pulido Valente e a Augusto M. Seabra, por quem tinha “particular estima”, e criticou a conduta do seu ministro. “[Os membros do governo] devem ser contidos na forma como expressam as suas emoções”, disse, lembrando que esta é uma mensagem que já havia passado ao seu Governo e que “nem à mesa do café“ podem dizer tudo o que querem, “quanto mais nestes novos espaços comunicacionais que hoje não são de conversa privada nem reservada e tornam-se naturalmente públicos”.
FOTO ANTÓNIO PEDRO FERREIRA
“As coisas são o que são”
Esta sexta-feira, o primeiro-ministro aceitou a demissão de João Soares, agradeceu “todo o empenho e energia que colocou no exercício” das funções e acrescentou: “Tenho a certeza que se tivesse tido a oportunidade de desenvolver o seu trabalho durante quatro anos seria reconhecido como grande ministro da Cultura. As coisas são como são”, respondeu as jornalistas, como assumindo o pedido de demissão como inevitável.
Entre todos os ministros do Governo de António Costa, João Soares era um dos que prometiam ser mais polémicos, atendendo às picardias em que já se envolvera desde há vários anos e a certas liberdades de linguagem que não se coibia de usar, designadamente no Facebook. E foi precisamente um post naquela rede social que ditou a sua saída prematura do executivo: foram 135 dias à frente do Ministério da Cultura.
Na mensagem, escrevera: “Em 1999 prometi-lhe publicamente um par de bofetadas. Foi uma promessa que ainda não pude cumprir, não me cruzei com a personagem, Augusto M. Seabra, ao longo de todos estes anos. Mas continuo a esperar ter essa sorte. Lá chegará o dia. Ele tinha, então, bolçado sobre mim umas aleivosias e calunias. Agora volta a bolçar, no Publico. (...) Uma amiga escreveu: vale o que vale, isto é: nada vale, pois o combustível que o faz escrever é o azedume, o álcool e a consequente degradação cerebral”. E prosseguia: “Estou a ver que tenho de o procurar, a ele e já agora ao Vasco Pulido Valente, para as salutares bofetadas. Só lhes podem fazer bem. A mim também”.
O post incendiou a mesma rede social que João Soares tinha escolhido usar para criticar Augusto M. Seabra e Vasco Pulido Valente. E onde no mês passado também já tinha escrito sobre o publisher do “Observador”: “José Manuel Fernandes retoma neste texto a melhor tradição da sua formação de jovem estalinista. Bolsa sobre mim um conjunto de grosserias e calunias. (...) Nunca na minha vida, tenho sessenta e seis anos, fui grosseiro ou intolerante com ninguém. Pudesse ele orgulhar-se do mesmo. Se pensam que me intimidam desenganem-se”.
FOTO ANTÓNIO PEDRO FERREIRA
Ao longo de toda a quinta-feira sucederam-se protestos em relação ao teor das declarações de João Soares. Num SMS enviado ao Expresso, chegou a pedir desculpas. Mas as palavras usadas não serviram para acalmar os ânimos: “Peço desculpas se os assustei. Sou um homem pacífico, nunca bati em ninguém. Não reagi a opiniões, reagi a insultos”. Foi mais uma gota de água num copo que já estava demasiado cheio.