LÍNGUA PORTUGUESA

A luta contra o acordo ortográfico complicou-se mas continua

REVOGAÇÃO Petição pública reclama fim da vigência do Acordo Ortográfico de 1990

REVOGAÇÃO Petição pública reclama fim da vigência do Acordo Ortográfico de 1990

Governo não está disponível para mudar (pelo menos para já) o acordo ortográfico mas um grupo alargado de cidadãos mantém intenção de fazer com que seja revogado. E Manuel Alegre acusa Santos Silva de ser “prepotente”

TEXTO ALEXANDRA CARITA

Apesar de o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, ter afastado esta terça-feira a hipótese de revisão do acordo ortográfico (AO) de 1990 antes de este ser ratificado por todos os estados envolvidos, há um grupo alargado de cidadãos que quer que o tratado deixe de vigorar em Portugal. São quase 16 mil as assinaturas de apoio à petição pública Cidadãos contra o “Acordo Ortográfico” de 1990, organizada pelo cineasta António Pedro Vasconcelos e pelo jurista Ivo Barroso e que já conta com 189 subscritores, entre os quais o escritor e ex-deputado socialista Manuel Alegre, que esta quarta-feira acusou Santos Silva de “prepotência”.

A petição não é nova mas tomou novo fôlego desde terça-feira: “Depois das declarações do ministro dos Negócios Estrangeiros, de 7 de Fevereiro, só há um caminho para acabar com o AO90”, lê-se na página de Facebook do documento. “O nosso objetivo é chegar às 20 mil assinaturas e aos 200 subscritores para que esta petição se equipare a uma Iniciativa Legislativa dos Cidadãos e seja entregue na Assembleia da República”, começa por explicar Ivo Barroso.O jurista diz que a petição deve servir pelo menos para “definir e clarificar a posição dos partidos” sobre esta matéria, de forma a “que sejam responsabilizados por ela politicamente nas eleições autárquicas”.

O documento será entregue na AR tão breve quanto possível. Se não for objeto de análise e não surgirem propostas para a revogação do AO por parte dos partidos com assento parlamentar, os organizadores da petição têm nova arma na manga. “A nossa atuação deverá ser a de organizar nova petição, desta feita destinada ao Governo e com o objetivo único de revogar a deliberação do Conselho de Ministros 8/2011”, aquela que delibera a entrada em vigor do AO em Portugal.

“Temos várias armas jurídicas e cívicas”, adianta ainda Ivo Barroso, dando conta também de duas ações judiciais já interpostas junto do Supremo Tribunal Administrativo.

Academia afastada do processo

A ACL (Academia de Ciências de Lisboa), órgão consultivo do Estado face a matérias linguísticas, diz-se afastada do processo, depois de esta terça-feira ter apresentado em sede de comissão parlamentar as suas “sugestões para o aperfeiçoamento do acordo ortográfico da língua portuguesa”.

Artur Anselmo, presidente da ACL, diz ao Expresso que “a academia não se impõe em coisa nenhuma” e garante que a questão do AO “é um problema político”. “O Governo tem toda a legitimidade para fazer o que quiser”, afirma o presidente da ACL. Acrescenta que “nunca quis que o Governo perfilhasse ideias da Academia”, defendendo que a sua atuação se pautou pela preocupação em preparar e produzir o dicionário da língua portuguesa.

Confrontado com a necessidade de que a ACL colabore com o Instituto Internacional da Língua Portuguesa, que prepara atualmente o vocabulário ortográfico comum - um documento a apresentar em maio -, Artur Anselmo acusa a linguista Margarita Correia, membro da comissão nacional do IILP, de “ter cortado relações” com a Academia”.

Artur Anselmo justifica ainda a falta de colaboração da ACL com a entidade que promove o AO junto de todos os países da CPLP com a ausência de dinheiro. “Se nos quiserem ouvir, estamos dispostos a fazê-lo, mas como a sede do Instituto Internacional da Língua Portuguesa é em Cabo Verde, é preciso quem pague as viagens.” Mas é também preciso que se saiba que 2/3 do orçamento da ACL provêm do OE (Orçamento do Estado) e o presidente da Academia não o esconde.

Vocabulário comum a caminho

Entretanto, o Instituto Internacional da Língua Portuguesa tem praticamente pronto o vocabulário ortográfico comum, ferramenta que tem o lançamento da sua plataforma online anunciado para a primeira quinzena de maio, coincidindo com a reunião anual do conselho científico do Instituto Internacional da Língua Portuguesa. O grupo de trabalho do vocabulário ortográfico comum conta com a colaboração das comissões nacionais que já acabaram de fixar a ortografia do vocabulário de Portugal, Brasil, Moçambique, Timor-Leste, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Quem nos explica tudo isto é Margarita Correia, linguista integrada na comissão nacional do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, que sublinha que a instituição e o grupo de trabalho “tentaram colaborar com a ACL em 2012/2013 e incluir o seu vocabulário no vocabulário ortográfico comum,” mas tal não foi possível devido a divergências no vocabulário.

Margarita Correia esclarece ainda que da comissão nacional faz parte um membro da ACL, “que nunca respondeu a qualquer questão de trabalho, nem deu qualquer parecer”.