SAÚDE

Bate um coração metálico no peito de um português

MÁQUINA Coração metálico pesa cerca de 200 gramas, tem autonomia para bater 17 horas e é recarregável como um telemóvel

MÁQUINA Coração metálico pesa cerca de 200 gramas, tem autonomia para bater 17 horas e é recarregável como um telemóvel

Cirurgia inédita em Portugal coloca o primeiro coração artificial em doente internado no Hospital de Santa Marta, em Lisboa. No mundo há mais 1200 vidas ao som de titânio

TEXTO VERA LÚCIA ARREIGOSO

Foi uma conversa de poucas palavras mas com muito significado. Salvou-lhe a vida. No dia em o médico disse que não podia fazer o transplante de coração, o doente perguntou-lhe: “E, então, fico a morrer?” José Fragata, cirurgião cardiotorácico, ficou em silêncio, pensou e deu-lhe a resposta que o mantém vivo: “Não. Vamos tentar outra solução.”

E tentou. Esta segunda-feira o médico do Hospital de Santa Marta, em Lisboa, e uma equipa de vários especialistas colocaram o primeiro coração artificial em Portugal. Em apenas três horas, o peito do doente foi aberto e implantado um coração metálico, quase todo em titânio, que será capaz de o manter vivo por mais uma década.

O doente, com 64 anos, está agora literalmente ligado à corrente. O coração artificial, com pouco mais do que 200 gramas, tem autonomia para 17 horas e é recarregado como qualquer telemóvel. “Nem se apercebe que tem o implante, porque está profundamente instalado no tórax. A única ligação ao exterior é uma drive live, uma espécie de um fio elétrico ligado a baterias. O doente só não pode fazer desportos aquáticos”, afirmou radiante José Fragata esta terça-feira durante o anúncio da intervenção.

Do lado de fora do peito, o coração artificial não é mais do que uma pequena peça metálica com uma forma circular. O especialista descreve-o como “uma bomba muito diferenciada que funciona por levitação magnética e que aspira sangue do ventrículo e injeta-o na aorta”. Mas com uma particularidade: “Este coração pulsa a cinco mil vezes por minuto”, lado a lado com o coração incapaz mantido no corpo.

O ‘português biónico’ tem 64 anos e estava internado em Santa Marta com uma insuficiência cardíaca severa e problemas renais graves que impediam o recurso às únicas hipóteses de tratamento até agora disponíveis. No caso, a administração de medicamentos específicos ou o transplante de outro coração. “Nem todos os doentes podem fazer a medicação e mesmo quando é possível cerca de 50% morre ao fim de três anos. O transplante, com a dificuldade de não existirem corações para todos, também não era possível porque devido à insuficiência renal o doente não podia fazer os fármacos para a tolerância imunológica, para não haver rejeição do órgão”, explica José Fragata. Resumindo: “Ficava à sua sorte ou tínhamos de implantar um coração artificial.”

Para não deixar morrer o doente sem ter feito tudo que a ciência permite, o cirurgião cardiotorácico e outros especialistas da equipa receberam formação no estrangeiro, assistiram a cirurgias e nesta segunda-feira estiveram no bloco operatório acompanhados por dois peritos internacionais. Correu tudo bem, o doente está a recuperar e dentro de 15 dias poderá ir para casa “se não existirem percalços, que podem ser muitos nestes casos”, alerta José Fragata.

Em todo o mundo há 1200 doentes com corações artificiais, dos quais 20 em Espanha. Portugal entrou agora na lista dos magníficos, aberta há pouco mais de cinco anos. José Fragata quer “respirar deste caso”, mas já tem internado outro candidato, curiosamente um médico. “Portugal tem cerca de 20 a 30 doentes à espera de transplante e destes quatro a seis poderão ter indicação para esta cirurgia”, explica.

O procedimento cirúrgico custa ao Estado perto de sete mil euros em custos hospitalares e mais 100 mil euros pelo coração artificial, sendo que é obrigatório o hospital ter um implante de reserva por cada um colocado. “A medicina tornou-se perigosa e cara e há muitos programas, como este, que não podem estar disseminados por vários hospitais e é para isso que o Estado serve, para regular.”

Questionado na conferência de imprensa sobre se foi feita história na medicina portuguesa, o cirurgião cardiotorácico sorriu. “É um momento histórico para o doente, se correr bem até ao fim.”