EURO 2016
Está tudo bem com ele, obrigado
FOTO GETTY
Ronaldo pode jogar mal, falhar golos e até lesionar-se e mesmo assim ter conquistado o respeito dos outros. Hoje, ele é um líder com o coração no lugar certo
TEXTO PEDRO CANDEIAS
Ronaldo marcou 16 golos em 12 jogos na Liga dos Campeões em 2015/16, 10 em 12 em 2014/15, 17 em 11 em 2013/14 (recorde), 12 em 12 em 2012/13. Ronaldo marcou 48 golos em 35 jogos na Liga espanhola em 2014/15, 36 em 30 jogos em 2013/14, 40 em 36 em 2010/11. Ronaldo tem 362 golos em 347 jogos pelo Real Madrid, que é o maior clube do mundo, o que faz dele o maior jogador de sempre do maior clube do mundo, o que faria dele o maior jogador de sempre do mundo se o futebol fosse um silogismo categórico.
Ronaldo tem 60 golos e 131 jogos por Portugal, o que faz dele não só o maior goleador como o jogador mais internacional por Portugal, o que faria dele o maior jogador português de sempre se o futebol se resumisse a estatística.
E já que cheguei aqui, acrescento que Ronaldo tem três Bolas de Ouro, três presenças em meias-finais de Campeonatos da Europa (mais um recorde), três Ligas dos Campeões, 91 golos em competições europeias de clubes (outro recorde), 200 milhões de seguidores nas redes sociais e o melhor salário entre todos os atletas de todos os desportos do planeta que não vou dizer qual é para não ferir suscetibilidades – anda algures entre os €73 milhões e 999 mil e os €74 milhões e dois cêntimos.
Seja de que ângulo for, os argumentos de Ronaldo são sólidos, grande parte deles imbatíveis, tão imbatíveis que lhe permitem ganhar quase todas as conversas sobre quem fez-o-quê-a-quem. Como daquela vez em que Ronaldo passou por um período de seca (é uma seca quando não marca em dois ou três jogos consecutivos) e lhe perguntaram se estava tudo bem com ele e porque é que não estava a fazer golos fora do Santiago Bernabéu. “Diz-me um jogador que tenha feito mais do que eu, fora de casa, na Champions. Diz-me um!” No dia seguinte marcou em Roma, contra a Roma. Estava tudo bem com ele, obrigado.
FOTO RUI OCHÔA
Ronaldo nunca teve problemas com os números ou com as coisas objetivas, mecânicas e práticas de futebol. Correr. Pular. Rematar. Cabecear. Golear. Isto ele faz e ninguém faz como ele e é por isso não lhe entram as críticas na cabeça, já que faz praticamente tudo melhor do que os outros. Ele quer ser lido como um facto, uma notícia pura, dura e crua sem os adjetivos que acabei de pôr aqui para o qualificar; as crónicas e as opiniões, deixa-as para o Messi e para o Barcelona, o jogador e o clube românticos que nem ele ou o Real Madrid são.
Ronaldo é poder e em podendo é todo-poderoso e isso é bom quando se tem o coração no lugar certo. No caso de um capitão, o coração deve estar em último lugar e em primeiro deve estar o dos outros, porque é isso que faz dele um líder. E eu sou do tempo em que Ronaldo não foi bom nem fez o bem quando viu tudo à sua volta ruir e procurou escapar dos escombros sozinho, agarrado ao estatuto. Como no Mundial 2010, em que disse que se perguntasse “ao Carlos” [n.d.r. Queiroz] porque é que tinha corrido tudo mal contra a Espanha. Ou, em pleno Euro 2012, quando respondeu torto aos espanhóis que o questionaram por Messi: “O que é que ele andava a fazer há um ano? A ser eliminado na Copa América”. Ou no Mundial 2014 quando enfrentou os jornalistas após a eliminação na fase de grupos e lhes disse que se todos os futebolistas fossem um bocadinho mais como ele e menos como eles, Portugal tinha chegado longe. E também sou do tempo em que se percebia que havia uma grupeta pró-Ronaldo e uma anti-Ronaldo, com o CR7 e os rapazes do Real Madrid de um lado e Nani e Quaresma do outro. E do tempo em que Ronaldo barafustava, gritava e amuava quando a bola não lhe chegava em condições – ou nas condições que ele considerava aceitáveis.
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Ora, este não é o Ronaldo que está em França. Este abraça e deixa-se abraçar pelos adeptos e pega no microfone para lhes falar. Este brinca com Ricardo Quaresma e Nani, sorri quando falha e, por isso, tem sorrido muito porque há falhanços que não lembram ao diabo. Este defende e desce no campo e entrega-se à marcação como o ponta de lança que ele não quer ser, mas que Fernando Santos lhe pede para ser. E este diz a Moutinho para se esquecer das críticas e do penálti no Euro 2012 contra a Espanha e convence-o a bater, porque “bate bem”, tal como o coração dele que está agora no lugar certo.
Talvez Ronaldo esteja na fase em que precisa tanto dos colegas como os colegas precisam dele e esse é um processo doloroso, sobretudo para quem tem um ego gigantesco e se vê obrigado a descer à terra para ser apenas mais um entre muitos.
Assim, ele pode jogar mal, falhar ou até lesionar-se que os outros estarão com ele. Porque mesmo que não esteja tudo bem com o craque, estará tudo bem com o capitão, obrigado.