Opinião
Amanhã
Henrique Monteirohmonteiro@impresa.pt

Chamem-me o que quiserem

Henrique Monteiro

A rígida religião dos antirreligiosos

Não deixa de ser curioso que, apesar de a Igreja Católica ser hoje dirigida por um Papa que recebe elogios de toda a gente (salvo da extrema-direita), se continue a criticar a Igreja como se ela fosse a mesma de há 100 ou 200 anos. Os radicais não gostam de ver o que chamam ‘representantes da Igreja’ a falar sobre assuntos que consideram civis – ainda que sejam assuntos relacionados com a ética ou a moral. Hoje, uma defensora dessa posição, Fernanda Câncio, indigna-se pelo facto de 57% das comissões de ética dos hospitais incluírem um sacerdote católico.

Dito assim, isto significa o quê? Que em 43% não figuram? Que em 100% há membros do Benfica? Que em 75% a maçonaria (ou uma delas) está representada? Penso que apenas significa um preconceito. E o ponto é este: havendo uma ética geral católica, nem todos seguem estritamente a mesma posição. Além de que os sacerdotes, lidando com a morte e com as situações extremas, são pessoas que se devem ouvir. O Estado Laico, ao contrário do que pensa a espécie de sacerdotes que passa a vida a invocar o Estado Laico, não é antirreligioso nem quer que a Igreja Católica não intervenha na sociedade civil. Foi esse o erro da I República, que Mário Soares bem diagnosticou e impediu que se repetisse após o 25 de Abril.

Sempre defendi o Estado Laico, defendo-o e acho que é o melhor para o Estado e também o melhor para a Igreja. Nunca pertenci à Igreja, a nenhuma, não pertenço (estudei no laicíssimo Colégio Moderno) e nunca fui traumatizado por qualquer padre. A maioria daqueles com que me cruzei – e é verdade que me movimento num mundo em que me cruzo com sacerdotes cultos e inteligentes – faz parte daquelas pessoas que são indispensáveis a uma conversa digna e ética sobre muitos aspetos.

Há quem pense que a ética defendida pela Igreja é contaminada por algo de pérfido. Mas para quem conseguir pensar para lá do preconceito, verá que ética cristã corresponde à nossa tradição ética. Cabe a quem quer alterá-la lutar por isso. E uma luta justa não começa por se apelar ao afastamento dos adversários da contenda.

Voltando a Fernanda Câncio, que é apenas um exemplo do muito que por aí se diz (poder-lhe-ia chamar sacerdotisa deste falso laicismo), afirma a jornalista que a Igreja ao querer catequizar nas escolas, nas aulas de religião e moral (que ela chama elegantemente enfiar a doutrina pela goela das crianças), mostra a falta de ética da instituição. E tudo isto porque as escolas e a Igreja davam por adquirido que os pais que não pediam para os filhos não terem religião e moral teriam de ir a essas aulas. Felizmente, os guardiães da laicidade, atentos, viram o golpe e de há uns anos para cá, sim, é preciso pedir para ter as aulas a fim de as frequentar.

Daí salta-se para os outros organismos públicos e chega-se às faladas comissões de ética dos hospitais. Aqui já não é uma questão de ‘enfiar’ pela goela das crianças, mas de adultos terem de ouvir sacerdotes que são pessoas que “não desistem de decidir pelos outros” (nas palavras de Câncio).

Duas notas apenas: ao longo da vida os mais assanhados ateus e laicistas radicais que encontrei tiveram religião e moral quando não frequentaram colégios católicos ou seminários. Por isso, os que entendem que a Igreja ‘enfia pela goela’, com a sua natural perfídia (criando adultos bem mais anticlericais do que aqueles que, como eu, nunca foram ensinados na doutrina da Santa Madre) era caso para pedirem a obrigatoriedade de um mau padre, com uma chibata e uma palmatória a mandar para o Inferno a rapaziada que se portasse mal. Infelizmente, para os revoltados anticlericais, os padres já não são assim. Até o Papa – esse malandro! – anda de candeias às avessas com a muito reacionária Ordem de Malta, tendo de os pôr na ordem. Mormente ao Cardeal americano Raymond Burke, apoiante de Trump, que recentemente recebeu o dirigente da Liga Norte italiana, sendo ambos opositores da defesa que o Papa – e a Igreja no seu conjunto – tem feito do acolhimento aos refugiados.

É pena, meus caros mata-frades, não terem vivido outros tempos. Sim, houve tempos em que teriam razão. Mas desculpem que vos diga: estão desatualizados. As causas – e volto a Câncio – como a Eutanásia não dividem a esquerda da direita e os Cristãos dos ateus ou agnósticos. Há muito para além disso. E, no topo de tudo isso há a tolerância: a Igreja faz parte da sociedade civil, parte importante. Tem o direito de participar e agir. E, tal como os outros, tem o direito de expor as suas opiniões e tentar convencer quem conseguir.

Sempre achei que os muito radicais, aqueles que se batem contra os crucifixos nas escolas e contra os sacerdotes nas comissões de ética, no fundo, no fundo, têm medo de ir para Inferno. Enfim, não gostam de que lhes lembrem de certas coisas que para os verdadeiros laicos não fazem qualquer diferença e são até património imaterial e material da nossa história…

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Amanhã

CONCERTO

ARCADI VOLODOS NO PORTO

O pianista russo Arcadi Volodos atua esta terça-feira na Casa da Música, no Porto. No concerto o músico vai interpretar temas de compositores como Robert Schumann, Johannes Brahms ou Franz Schubert. O espetáculo começa às 21h e os bilhetes custam de €11 a €24

CINEMA

O VENDEDOR EM CASTELO BRANCO

É exibido esta terça-feira no Cine-Teatro Avenida, em Castelo Branco, o filme “O Vendedor” (2016), do realizador iraniano Asghar Farhadi. A narrativa é sobre um jovem casal que se vê forçado a mudar de casa, evento que vai marcar o percurso das personagens. A sessão tem início às 21h30 e as entradas custam €4.

DANÇA

A TUNDRA

Estreia esta terça-feira, às 21h30, no Teatro Maria Matos, em Lisboa, o espetáculo de dança “A Tundra”, da autoria do bailarino Luís Guerra. Os bilhetes para o evento custam de €6 a €13.