DIA D
\n\nDez coisas que não sabemos sobre o desembarque da Normandia
\n\nA maior operação aeronaval da História faz 70 anos esta sexta-feira: os Aliados desembarcaram com sucesso na Normandia e encostaram Hitler à parede. Mas podia não ter sido assim. Saiba porquê
\n\nTEXTO RUI CARDOSO INFOGRAFIA OLAVO CRUZ FOTOS REUTERS
\n\n1 O alto-comando alemão foi enganado quanto ao local do desembarque. Ainda que a descodificação das mensagens aliadas confirmasse que a invasão estava iminente, o local podia variar da Noruega à Dinamarca e dos Balcãs à costa francesa. Uma gigantesca operação de intoxicação dos serviços secretos aliados denominada Fortitude e difundida por agentes duplos, inclusivamente a partir de Lisboa, sugeriu durante semanas o local mais óbvio: o ponto mais estreito do Canal da Mancha em Pas-de-Calais, coisa na qual, mesmo depois de o desembarque estar em curso na Normandia, os alemães continuaram a acreditar. Para o engano ser completo, o general Patton fora nomeado, meses antes, comandante de uma força fictícia de desembarque concentrada em Kent, cujos blindados eram simulacros em madeira e borracha. Nas vésperas do desembarque, Calais foi fortemente bombardeada pela aviação aliada. Nos locais da Normandia onde foram lançados paraquedistas, parte destes eram manequins com cargas de pólvora para simular disparos de armas e confundir o inimigo.
\n\n2 Devido ao mau tempo, os alemães não esperavam a invasão a 6 de Junho. O marechal Rommel, que os aliados tinham enfrentado no Norte de África e fora o obreiro da Muralha do Atlântico (linha de fortificações costeiras da fronteira espanhola aos Países Baixos), tinha ido ao aniversário da mulher à Alemanha e o estado-maior do Grupo dos Exércitos de Oeste estava de semi-licença num castelo a fazer jogos de guerra (simulacros de operações reais). Rommel defendera que, em caso de invasão, só o pronto contra-ataque das divisões blindadas poderia conter o inimigo antes de este sair das praias mas estas formações de tanques dependiam diretamente de Hitler, que ninguém se atreveu a acordar na madrugada de 6 de Junho. Rommel viria a ser ferido por um avião aliado a 17 de Julho. De regresso à Alemanha foi acusado de envolvimento no atentado contra Hitler (20 de Julho) e compelido a suicidar-se. A Alemanha perdia um dos seus melhores e mais respeitados generais. O seu sucessor Von Kluge viria, também, a optar pelo suicídio após ser responsabilizado por Hitler pelo desastre de Falaise (19 de Agosto).
\n\n\r\n\r\n\r\n3 Nenhuma das operações no setor norte-americano correu conforme planeado. Os paraquedistas, lançados de noite, perderam-se e, na sua maior parte, vaguearam horas a fio no meio do campo, longe dos seus objetivos. Um pelotão foi lançado sobre a aldeia de Sainte-Mére Église, onde havia um incêndio que foi tomado por um sinal de aterragem e acabou massacrado pelas tropas alemãs. Só um soldado sobreviveu. Na praia de Utah, as correntes e o fumo fizeram com que a força de desembarque chegasse a terra 2 km mais a sul, o que foi a sua sorte, pois era uma zona mais mal defendida. Na praia de Omaha, pelo contrário, a topografia era adversa aos atacantes, havia muitos redutos defensivos e o areal estava cheio de minas e abatizes. Uma guarnição alemã de segunda linha fora substituída por uma divisão de veteranos, a 352ª. A ondulação afundou quase todos os tanques anfíbios e as baixas americanas foram catastróficas, só sendo conquistada a meio da tarde (recordem-se as cenas iniciais do filme “O Resgate do Soldado Ryan”, de Steven Spielberg).
\n\n4 Nas praias anglo-canadianas (Gold, Juno e Sword), a utilização de veículos blindados de engenharia salvou milhares de vidas. Os engenhos da 79ª Divisão Blindada do general Hobart fizeram limpeza de campos de minas, destruíram obstáculos, abriram passagens por cima de valas e charcos e eliminaram “bunkers” com morteiros de grande calibre e lança-chamas. O comando americano nunca acreditou nos “brinquedos de Hobart”, a não ser nos tanques com saias infláveis, mas estes foram largados demasiado longe da costa e afundaram-se quase todos.
\n\n5 O desembarque, bem-sucedido nas praias de Utah, Gold, Juno e Sword, podia ter falhado em duas ocasiões: à hora de almoço, quando parecia que os americanos não conseguiriam tomar a praia de Omaha e se chegou a pensar no reembarque, o que poria em causa o conjunto da operação; e a meio da tarde, quando a 21ª Divisão Panzer contra-atacou numa abertura entre as cabeças-de-ponte das praias de Juno e Sword. Os tanques esbarraram em forte fogo de artilharia mas a infantaria mecanizada (granadeiros panzer) infiltrou-se com sucesso na direção da praia, acabando por retroceder com medo de um ataque de flanco que nunca aconteceu.
\n\n\r\n\r\nOBJETIVOS Sucesso não foi arrasador à chegada, mas garantiu cabeça de ponte sólida ao fim do dia 6\n
\r\n6 Nenhum dos grandes objetivos fixados no planeamento do Dia D foi alcançado nas primeiras 24 horas. A cidade de Bayeux só seria tomada no dia seguinte, e o porto de Cherburgo três semanas depois. Mesmo assim, à custa de 2500 mortos, ao fim do dia os aliados controlavam três cabeças-de-ponte com 10 a 20 km de profundidade, bem abastecidas e dotadas de artilharia e tanques, onde se fez a junção com os paraquedistas lançados de madrugada no interior. Os aliados não tinham tido um sucesso arrasador mas já não podiam ser deitados ao mar. Acabara o desembarque e ia começar a Batalha da Normandia.
\n\n\r\n\r\nLOGÍSTICA Abastecimento ficou condicionado devido ao facto uma dos portos artificiais ter sido danificado pelos temporais\n
\r\n7 A invasão esteve à beira de falhar por razões logísticas. O atraso na conquista do porto de Cherburgo e o estado de destruição em que este ficou tornaram o abastecimento dependente de dois portos flutuantes artificiais, os Mulberries, um no setor britânico e outro no americano, um dos quais viria a ser destruído por novo temporal a 16 de Junho.
\n\n\r\n\r\nDURAÇÃO Batalha da Normandia durou 100 dias. Impasse foi quebrado depois de uma decisão do general Patton que surpreendeu os alemães\n
\r\n8 O grande inimigo dos aliados foi a meteorologia que forçou a adiar a invasão, dificultou o desembarque nalgumas praias e ameaçou cortar o fluxo de abastecimentos por mar. O pesadelo alemão foi a incapacidade de movimentar reforços devido às sabotagens e golpes de mão da resistência francesa e aos ataques constantes dos caças-bombardeiros aliados equipados com foguetes que colaram ao chão as divisões blindadas alemãs durante o dia.
\n\n9 Uma semana depois do desembarque, os aliados dominavam uma mancha contínua de 80 km da costa da Normandia variando a profundidade da cabeça-de-ponte entre os 10 e os 20 km. Contudo, a Batalha da Normandia iria durar cem dias, durante os quais a defesa alemã se adaptou melhor a um terreno muito recortado por valas, muros e sebes que os atacantes. O impasse só seria quebrado no início de Agosto quando o general Patton, qual Ronaldo a explorar o espaço vazio, iniciou uma cavalgada pela Bretanha e pelo Loire que surpreendeu os alemães e os fez cair na armadilha da Bolsa de Falaise quando Hitler insistiu num contra-ataque aos flancos de Patton.
\n\n10 O sucesso do desembarque dependia de um conjunto de fatores que, apesar da superioridade logística, aérea e naval aliada, escapava ao seu controlo. Se Rommel estivesse no seu quartel-general, se os Panzer tivessem contra-atacado em massa, se os americanos não tivessem conseguido sair da praia de Omaha, se a gasolina tivesse faltado nos primeiros dias da invasão, a história poderia ter sido diferente. Não ao ponto de Hitler ter ganho a guerra, mas o avanço aliado teria sido muito mais lento e feito, não a partir da Normandia, mas do sul de França, onde os aliados viriam, de facto, a fazer um segundo desembarque a 15 de Agosto. Entretanto o rolo compressor do Exército Vermelho já tinha libertado todo o território soviético e avançava pela Polónia e Roménia. Quem sabe se, neste cenário hipotético de falha do Dia D, no final da guerra, a linha de separação entre americanos e soviéticos não estaria bastante mais a oeste, com o Check Point Charlie não no bairro berlinense de Mitte mas junto à Torre Eiffel …
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NORMANDIA
\n\nCinco praias como Património da Humanidade
\n\n\r\n\r\n\r\nO 70º aniversário do Dia D está a servir de grande oportunidade para lançar a candidatura das praias do desembarque a Património Histórico da Unesco. Com lotação esgotada, a região pede aos milhares de turistas que assinem uma petição mundial
\n\nTEXTO ROSA PEDROSO LIMA
\n\nPor estes dias, as praias da Normandia estão repletas de turistas. Os hotéis da região estão há um ano com lotação esgotada e, se o movimento de visitantes estrangeiros é uma constante na zona histórica do desembarque dos aliados, a verdade é que os 70 anos da invasão deram pretexto para uma nova vaga de comemorações.
\n\nA petição “Liberté, j\'inscris ton nom” é uma das grandes campanhas que, a pretexto do aniversário redondo do desembarque aliado, a região da Baixa Normandia está a lançar ao mundo. Tudo nestas cerimónias é simbólico. O nome da petição também. Baseado no poema de Paul Eluard, que representa um hino à liberdade e à resistência, o texto foi escrito em 1942. Mas foi em pleno período nazi que ganhou carga simbólica, quando cópias do poema foram lançadas sobre a França ocupada pela aviação britânica, em sinal de apoio e de solidariedade.
\n\n\nAs autoridades francesas esperam que as 12 mil assinaturas que a petição conseguiu reunir até agora consigam multiplicar-se no período das celebrações do Dia D. E juntam argumentos políticos: as praias do desembarque “são uma herança emblemática e representam os valores universais da Paz, da Liberdade e da Reconciliação”. O facto de tropas de várias nacionalidades - de britânicas a americanas, passando por canadianas, polacas ou australianas - terem integrado as força de 160 mil homens que participou no Dia D dá força à ideia de unidade mundial. A imagem de um encontro que ocorreu há dez anos entre o presidente Jacques Chirac e o chanceller alemão Gerhard Schroeder, que se reuniram em Caen e fizeram votos de uma paz duradoura, dá força à tese da reconciliação universal, que a memória histórica das praias normandas pode ajudar a preservar.
\n\nO pontapé de saída para o pedido formal à Unesco foi dado em Maio passado pelo Parlamento francês, que, por unanimidade, votou a inclusão das praias do desembarque na lista dos locais considerados património histórico da Humanidade. A 21 de Maio, foi a vez de o Congresso americano fazer o mesmo.
\n\nE até que a Unesco decida, Utah, Omaha, Gold, Sword e Juno serão sempre nomes de praias a visitar. Mesmo que os seus nomes fossem de código para a operação militar aliada, o peso do Dia D ficou nelas inscrito para sempre. Literalmente. E a prová-lo estão os mapas e todos os painéis de sinalização que indicam o caminho aos milhares de turistas que, todos os anos, prestam homenagem aos heróis que permitiram o fim da II Guerra. E, claro, a erradicação do nazismo.
\n\n\r\n\tSAIBA MAIS
\n\nO semanário Expresso publica este sábado um trabalho sobre o desembarque na Normandia, relatando os momentos-chave da operação e as armas que deram a vitória aos Aliados.
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