Decisão
Ativista multada por pedir demissão de Passos perde recurso e vai mesmo pagar €1440
Depois do recurso, a ativista Ana Nicolau que foi condenada a seis meses de prisão por ter gritado “demissão” a Passos Coelho na Assembleia da República vai mesmo ter de pagar €1440 de multa ao Estado. E, apesar de tudo, diz que não se arrepende e que há uma multidão de pessoas que se identificam com o seu protesto. “Isto é muito maior do que eu. Se a ideia é amedrontar, vão causar revolta”
Texto Bernardo Mendonça
Três advogados, um debate instrutório, um julgamento, uma condenação e um recurso (negado) depois, a realizadora e ativista Ana Nicolau vai mesmo ter de pagar uma multa de €1440 por ter gritado cinco palavras de protesto — “demissão” e “metes no nojo ao povo” — na Assembleia da República no dia 11 de março de 2015. “Chegou a hora de dar por finda esta batalha. A única instância a que agora poderia apresentar recurso seria o Tribunal Constitucional, sendo que não há, factualmente falando, qualquer inconstitucionalidade no processo...”, escreveu esta segunda-feira no Facebook. O Expresso tentou contactar esta segunda-feira Ana Nicolau, mas sem sucesso.
É com estas palavras que a realizadora e ativista encerra este longo capítulo. Recorde-se que o tribunal considerou que a ativista era uma cidadã preocupada “com o bem-estar geral da comunidade” e “politicamente empenhada”, tal como “deveriam ser todos os cidadãos”. Ana Nicolau passou a ser notícia nacional há dois anos quando pediu nas galerias da Assembleia a demissão de Passos Coelho. No acórdão pode ler-se que o seu “modo desordeiro” causou “tumulto” e “obrigou à interrupção por 42 segundos do plenário” e por isso é “condenada a pena de prisão substituída por multa”. Esta decisão provocou uma revolta e uma enorme onda de solidariedade nas redes sociais, surgindo um movimento de cidadãos que se propôs juntar o dinheiro que pague a multa a que Ana Nicolau foi condenada. Mas a realizadora recusa essa ajuda. E explica as suas razões: “Eu não preciso que me ajudem. Não o digo de forma ingrata, de todo - é imensurável, a minha gratidão -, mas apenas porque não quero que pensem que ‘estou à rasca’, ou algo do género: tenho a sorte imensa (que é mesmo isso) de ter condições de vida que me permitem efetuar o pagamento”, lê-se no post do Facebook.
Na altura em que foi lida a sentença, chegaram a ser depositados €155 na conta de Ana Nicolau, transferidos por três pessoas não identificadas. “Humildemente agradeço o seu gesto. Mas gostaria de devolver este dinheiro a quem mo depositou”
Ana Nicolau argumenta que este caso representa algo maior do que ela, uma multidão de pessoas que partilha o mesmo descontentamento acerca da governação de Passos Coelho. “Não interessa sequer se aconteceu à Ana Nicolau, ao José da Esquina ou à Maria da Horta, porque aconteceu a todos os que se reviram no protesto organizado pelos Precários Inflexíveis a 11 de Março de 2015 e/ou se indignaram com as sucessivas decisões condenatórias dos tribunais ao longo destes dois anos. Mas, sem o esquecer, é-me mesmo importante que saibam que o maior apoio que me podiam dar - e deram - não é monetário; a vossa solidariedade nos momentos-chave do processo foi-me mais força do que alguma vez saberei explicar.”
Apesar disso, na altura em que foi lida a sentença a Ana Nicolau, chegaram a ser depositados na sua conta, sem que esse fosse o seu desejo, €155 transferidos por três pessoas não identificadas. “Humildemente agradeço o seu gesto. Mas gostaria de devolver este dinheiro a quem mo depositou, se acaso se ‘acusarem’; senão, fá-lo-ei chegar a alguém afetado pelos incêndios em Pedrógão Grande (conheço gente a trabalhar diretamente no terreno), que deles precisará de uma maneira que eu não preciso.”
A realizadora diz ainda não prosseguir com os recursos na justiça para não gastar mais dinheiro em ‘vão’. “É certo que poderia tentar novo recurso, porque há sempre a possibilidade de o conjunto de juízes ter em conta as circunstâncias da altura, bem como os argumentos apresentados pela defesa, mas estar a gastar (outra vez) uma batelada de dinheiro à conta de um (muito pouco provável) ‘talvez’ não é coisa que me atraia muito, como acredito que compreendam.”
Faria tudo de novo
Sobre o protesto que a levou à condenação, Ana Nicolau afirma que não se arrepende do que fez. “Tínhamos um primeiro-ministro que dizia ter-se ‘esquecido’ de pagar Segurança Social durante cinco anos, vendo depois enorme parte da sua dívida perdoada por Mota Soares, o mesmo que não perdoou a milhares de pessoas (nalguns casos a dívida não devia sequer existir, mas isso são outros 500) e as perseguiu até ao mais fundo desespero - por vezes fatal, como no caso do J. Acima de tudo por ele, mas também por toda a outra gente condenada por Passos Coelho e sua trupe ao medo do amanhã, a fúria do gesto e a raiva da voz.”
E termina o post no Facebook com um desabafo: “Respiro fundo, eu que fui só mais uma no meio de um protesto na ‘casa da democracia’, e digo finalmente, agora que posso fazê-lo: faria tudo de novo. Em nome de... obrigada a vocês, gente igual por dentro, pelo inestimável apoio”.
Há seis meses, a meio deste processo, Ana Nicolau recebeu-nos em sua casa e contou-nos os bastidores do sucedido, as razões da sua luta e a história da sua vida no podcast “A Beleza das Pequenas Coisas”. “Se a ideia é amedrontar, vão causar revolta.”