Daniel Oliveira

Antes pelo contrário

Daniel Oliveira

Socorro, um negacionista na Casa Branca!

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Prevendo, como todos, o que hoje é anunciado, escrevi, em novembro do ano passado, um texto em que defendia que este seria o maior de todos os perigos da chegada de Donald Trump à Casa Branca. Porque não estamos a falar da espuma dos dias, é esse texto que hoje republico, na parte relativa às alterações climáticas. Tudo está igual e tudo vai piorar.

Se tivesse de selecionar o maior perigo que Trump significa para todos nós escolheria o facto de negar as alterações climáticas e o papel que os humanos têm neste fenómenos. Na Europa, os negacionistas de uma tão esmagadora evidência científica (haverá poucas que reúnam tamanho consenso entre os estudiosos) são muito poucos. Em Portugal, só me recordo do meu colega colunista Henrique Raposo, que, aqui no "Expresso", lamentou que a arrogância iluminista e antropocêntrica se centrasse nos humanos e ignorasse o papel dos vulcões, do sol e de Deus nas alterações climáticas. Mas nos Estados Unidos, graças a uma campanha desenvolvida pela Fox News e por porta-vozes avençados de quem está disposto a destruir o futuro da humanidade em nome do lucro imediato, continua a haver muitas resistências a uma política que reduza a absoluta dependência dos EUA em relação aos combustíveis foceis.

Ter à frente do país mais poderosos do mundo o segundo que mais contribuiu para o problema e um dos que menos faz para o resolver alguém que ainda nega a existência das alterações climáticas é um crime contra todos nós, contra os nossos filhos, netos e todas as gerações que nos sucederão.

Sobre este tema aconselho o documentário "Before the Flood" (deu a semana passada na RTP 1), em que Leonardo DiCaprio nos faz uma visita guiada ao caminho que estamos a trilhar para o abismo. O filme é acessível e dirigido ao público norte-americano. Os EUA são o segundo país no mundo que mais contribui para as alterações climáticas. O primeiro, a China, está a investir mais em energias renováveis dos que os norte-americanos. É impossível pedir aos chineses e aos indianos (a Índia tem o correspondente à população dos EUA sem acesso a energia) mais esforços se os norte-americanos não derem passos mais decisivos. O que um norte-americano gasta em eletricidade doméstica corresponde ao que é gasto por dois britânicos, três alemães, dez chineses, 34 indianos ou 61 nigerianos. Se fizéssemos as contas ao que cada norte-americano gasta em combustíveis, no seu carro, os números seriam seguramente mais impressionantes.

Numa viagem que recentemente fiz nos EUA percebi, ao conduzir durante vários dias, a dimensão do problema: fazer grandes viagens de carro é extraordinariamente barato. E o país depende disso. Reduzir a dependência dos norte-americanos de combustíveis fósseis, e em especial do petróleo, implica uma revolução sem precedentes e muitíssimo mais profunda do que na Europa, na Ásia ou em África. Porque o consumo é muito maior e porque o funcionamento da sociedade norte-americana, da organização das suas cidades à economia, das suas comunicações e infraestruturas à mobilidade dos trabalhadores e das famílias, depende do combustível barato. Só um líder político absolutamente empenhado pode tentar, e ainda assim com enormes dificuldades, mudar a mentalidade do país para salvar o planeta, os humanos que nele habitam e, já agora, os cidadãos que representa.

Se não houver uma mudança radical chegaremos, em poucas décadas, a um ponto de não retorno em que a nossa intervenção deixará de poder travar o cataclismo global de que já vemos tantos sinais. Já perdemos muito tempo e há prejuízos que já são irrecuperáveis. Não podemos perder nem mais um ano. Está em causa a nossa sobrevivência enquanto espécie ou, pelo menos, os mínimos de dignidade para a esmagadora maioria da população mundial. Não há, no nosso tempo de vida, nenhuma prioridade superior a esta. Ter à frente do país mais poderosos do mundo, o segundo que mais contribuiu para o problema e um dos que menos faz para o resolver alguém que ainda nega a existência das alterações climáticas poderá significar um recuo de uma década ou, pelo menos, ficar tudo parado mais cinco ou dez anos. É um crime contra todos nós, contra os nossos filhos, netos e todas as gerações que nos sucederão.